Um grande muro foi levantado não tão próximo do litoral e separa a elite agrária brasileira dos abandonados ex-brasileiros e exilados de outros países que tentam chegar pelo mar.
De um lado, um mundo tecno-agrário utópico em que todos têm de tudo, sem precisar nem ao menos trabalhar, governados por um conselho de famílias agrárias dividido em imensos latifúndios. Do outro, um mundo distópico - onde não há alimento real, todos comem uma ração doada pelo lado de lá - controlado por um pequeno governo que sobrevive da lembrança do início desses tempos terríveis.
Como toda ficção-científica, essa não nos deixa aquém dos acontecimentos atuais numa visão futurista da sociedade. Num caminhar em direção ao Solarpunk, nossa história mostra uma utopia alcançada, mas a que custo? E aí está o conflito que nos indica que na realidade só temos esse paraíso pagando um preço elevado demais.
Dieine, nossa protagonista, vive do lado do litoral da cerca em Porteira 9. Seu pai a ensinou o trabalho de pedreira. Ele era muito bom no que fazia e aprendeu a aceitar a vida, ela aprendeu direito o serviço, mas não entendia porque viver assim e constantemente pensava em formas de sair daquele lugar, para desespero do pai.
Manoela vive do lado do interior da cerca em Três Morrinhos. De uma família não muito rica, ela não tem grandes pretensões sociais, a ponto de só querer aprender a plantar, ler e escrever, três atividades que aparentemente são vistas como desnecessárias e menores nessa super-sociedade-rica-e-abastada que garante a todos o necessário e mais alguns benefícios a ponto de não precisarem de dinheiro ou trabalho remunerado.
Vladimir vive do lado do litoral em Porteira 9 e tem sua vida mudada quando descobre um túnel não finalizado, tenta furar a grande cerca de concreto e toma para si o trabalho de finalizá-lo chegando ao outro lado. Ele tem assim um ar de liberdade e um sentimento de futuro, mesmo que incerto, nesse grande latifúndio de mata e vida. Mas essa experiência se mostra mais perturbadora do que ele imaginava e a alegria pela conquista da liberdade se torna um choque de realidade ao perceber que não fez da sua vida o que achava ter sido o melhor.
Nossas três personagens caminham paralelamente numa jornada de descobrimento como serem humanos. Enquanto temos aquelas que estão numa luta contra aquilo se que veem obrigadas a seguir como o caminho natural temos aquelas que estão apenas em busca de uma salvação pessoal, se colocando longe de tudo e todos em busca de uma nova vida, em que o peso das responsabilidades seja substituído por tranquilidade e paz.
A ambientação desse país tecno-agrário é bem realista e a utilização de máquinas em todos os afazeres do dia-a-dia nos remete a uma espécie de combinação dos Jetsons com Chico Bento.
Com o foco numa sociedade rural, é um livro pra se maravilhar com as boas referências à ciência brasileira, com foco na Embrapa e em citações ao Globo Rural, esse ótimo programa jornalístico das manhãs de domingo que nos leva à áreas fronteiriças do Brasil para responder a perguntas muitas vezes simples sobre as dificuldades da agricultura familiar.
É muito difícil falar mais da história sem explanar spoileres que prejudicariam a descoberta de toda a história, mas digo que a leitura é muito agradável. Ficamos a cada capítulo interessados no que o futuro está a entregar para cada uma das personagens, como elas lidarão com as dificuldades que a vida e a natureza lhes imporão e onde isso tudo levará.
P.S.: Vale de extra que no Órbita, algo como um fórum do Manual do Usuário, temos uma conversa sobre o livro e o autor está lá participando.

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